Quem já buscou informações sobre física quântica certamente já se deparou com o princípio da incerteza. Desenvolvido por Werner Heisenberg em 1927, o princípio da incerteza é um conceito e um limite fundamental da mecânica quântica que descreve que “certos pares de propriedades físicas, como momento e posição, não podem ser simultaneamente conhecidos”.
Essa incerteza não se dá por imprecisão dos instrumentos de medição ou das equações matemáticas. A incerteza é um limite fundamental da matéria e da energia ao nível quântico. Reflete um aspecto básico dos sistemas quânticos e está enraizada na formulação matemática padrão da mecânica quântica. Toda função de onda que descreve um estado quântico obedecerá a este princípio.
Mas por que o princípio da incerteza existe? De onde ele vem? Por que o princípio da incerteza é um limite fundamental da natureza? Quais suas implicações no mundo macroscópico?
Sem explicações rasas. Vamos explorar esses conceitos de forma mais profunda.
O que é o princípio da incerteza?
Na década de 1920, Werner Heisenberg (1901–1976) estava trabalhando no crescente campo da mecânica quântica, que trata do comportamento de partículas nas menores escalas. Neste nível, partículas como elétrons e fótons comportam-se de formas bem diferentes.
Ao contrário das partículas clássicas, que se comportam de forma previsível conforme a mecânica newtoniana, na mecânica quântica as partículas (como os elétrons e fótons) exibem propriedades ora semelhantes a partículas e ora semelhantes a ondas. Esta dualidade onda-partícula é central para a mecânica quântica, sendo descrita matematicamente pela função de onda, cujo símbolo é $\psi$ (letra grega psi), que contém todas as informações sobre o sistema.
As ondas se espalham e não têm uma localização única e precisa. Em vez disso, eles ocupam uma série de posições simultâneas — por isso dizemos que a função de onda é uma onda de probabilidade. Quando falamos sobre a posição x de uma partícula, estamos falando sobre a posição x descrita pela sua função de onda, ou seja, $\psi(x)$.
Tomaria muito tempo e muita matemática avançada para te mostrar como a incerteza está embutida na equação de Schrödinger e como esta é uma consequência do postulado de De Broglie, mas, em essência, o princípio da incerteza de Heisenberg nos diz que é impossível determinar, simultaneamente, a posição ($\Delta x$) e o momento ($\Delta p$) de uma partícula. Esse fato é representado pela famosa equação
$$\Delta x \Delta p \geq \frac{\hbar}{2}$$
O símbolo $\hbar$ é a constante de Planck reduzida, um número incrivelmente pequeno que aparece em muitos cálculos da mecânica quântica. A equação acima nos diz, portanto, que o produto da incerteza da posição e da incerteza do momento não pode ser menor do que $\hbar/2$. Se você reduzir a incerteza de um (digamos, a posição), então a incerteza do outro (o momento) deve aumentar, e vice-versa.
É o fato de $\hbar$ ser um número extremamente pequeno, uma das constantes fundamentais da natureza, que faz com que não percebamos os efeitos do princípio da incerteza no nosso cotidiano.
Incerteza do tempo e energia
O princípio da incerteza não se restringe à incerteza da posição-momento. Existem outras formas de derivar as equações da mecânica quântica e demonstrar que também é impossível determinar com exatidão a energia de uma partícula em um intervalo de tempo.
Essa segunda parte está relacionada, por exemplo, com o intervalo de tempo $\Delta t$ durante o qual um fóton com incerteza na energia $\Delta E$ é emitido de um átomo. A equação é muito parecida:
$$\Delta E \Delta t \geq \frac{\hbar}{2}$$
Assim como a incerteza da posição-momento, o produto das incertezas da energia e do intervalo de tempo não pode ser maior do que $\hbar/2$, a constante de Planck reduzida. Esse efeito é percebido como as larguras das linhas espectrais na espectroscopia astronômica — minúsculas incertezas na energia fazem com que as linhas espectrais tenham uma largura, ao invés de uma linha fina exatamente no mesmo comprimento de onda.
Por que o princípio da incerteza existe?
Imagine que tenhamos um microscópio muito poderoso capaz de enxergar os elétrons. Mas, para enxergar esse elétron, a luz (fótons) deve atingir esse elétron e ser refletida para nossos olhos. Esse é o princípio de qualquer microscópio. Em um microscópio óptico, são fótons; em um microscópio eletrônico de varredura, são elétrons.
Mas para qualquer instrumento de medição, precisamos emitir um sinal até o objeto, e esse sinal deve voltar. Só aqui já temos o princípio da incerteza. Com o microscópio óptico do exemplo acima, apenas o simples fato de o fóton atingir esse elétron, esse elétron é perturbado devido ao efeito de espalhamento Compton.
Podemos aumentar a precisão da localização x do elétron diminuindo o comprimento de onda do fóton, por exemplo, usando raios gama. Mas os raios gama carregam mais energia e, portanto, mais momento (comprimento de onda e momento são inversamente proporcionais, conforme $p=h/\lambda$). Os raios gama nos dariam uma precisão maior de $\Delta x$, mas aumentariam mais ainda o recuo Compton do elétron, consequentemente, aumentando $\Delta p$.
Observador? Medição?
Tenha em mente que o princípio da incerteza é um princípio fundamental da natureza. As palavras “medição” e “observador” mais confundem do que ajudam, porque dão a impressão de que necessitam de uma pessoa olhando ou medindo. Lembre-se que não precisamos medir ou ter um instrumento — nem ao menos precisamos de um observador. A simples interação entre fótons, prótons e elétrons em uma nebulosa distante, em uma estrela, ou até mesmo no vácuo do universo, já é uma incerteza.
Com humanos ou sem humanos, as leis do universo são as mesmas, afinal, ele existe há muito mais tempo.
Zero Kelvin: o zero absoluto
O princípio da incerteza é o motivo pela qual é impossível atingir o zero absoluto. Podemos chegar bem perto, centésimos acima do zero absoluto, mas nunca zero.
“Temperatura” é uma medição do grau de agitação (energia cinética, ou momento) das partículas. O zero absoluto, ou 0 K, seria um estado de total imobilização das partículas. Mas, como vimos pelo princípio da incerteza, isso é impossível, pois significaria uma total certeza do momento das partículas.
Imagine se o zero absoluto fosse possível e tivéssemos total certeza do momento da partícula, ou seja, sua incerteza fosse zero ($\Delta p = 0$). Então a fórmula do princípio da incerteza ficaria
$$\Delta x \cdot 0 \geq \frac{\hbar}{2}$$
significando que $\Delta x$ seria uma incerteza tendendo ao infinito, o que é fisicamente impossível, pois também significaria que a partícula poderia estar em todos os lugares do universo ao mesmo tempo!
Portanto, alguma energia deve existir. Mas qual seria essa energia?
Imagine jogar um elétron dentro de um poço muito estreito. Na mecânica quântica, existe uma quantidade mínima de energia (E) que uma partícula deve ter, mesmo que esse poço tenha a mesma largura do elétron (ou seja, ele estaria imobilizado, não?). Não. Se trabalharmos direitinho a matemática da mecânica quântica chegamos na equação
$$E = \frac{\pi^2 \hbar^2}{2ma^2}$$
sendo a a largura desse poço. Essa é a quantidade mínima de energia, ou seja, uma partícula não pode ter energia nula. Essa quantidade mínima de energia é a chamada energia de ponto zero.
Devido ao princípio da incerteza de Heinsenberg, é impossível de se atingir o zero absoluto.