O paradoxo do gato de Schrödinger é, talvez, uma das analogias mais famosas da física — e, arrisco dizer, talvez de toda a ciência. Todo mundo já ouviu falar da ideia de que “o gato está vivo e morto ao mesmo tempo”, rendendo até camisetas e muitos memes na Internet sobre o assunto.
Mas o que realmente o experimento mental do gato de Schrödinger quer dizer? O que Erwin Schrödinger, o físico que desenvolveu esse experimento, quis dizer com essa analogia do gato? Para a explicação ficar completinha, vamos precisar nos adentrar em alguns princípios bem fundamentais da mecânica quântica: a superposição quântica. Mas… o que é isso?
Primeiro, o que significa “estado de uma partícula”
A física quântica remodelou nossa compreensão do Universo. De um punhado de fórmulas exatas e determinísticas onde prevemos a posição e a velocidade de tudo, a física mudou para se tornar probabilística. Não existiam mais os elétrons como bolinhas pontuais, e sim como ondas de probabilidade. Essa ideia da natureza estatística do Universo virou do avesso até a cabeça dos físicos mais experientes:
“Deus não joga dados.”
Albert Einstein (1926), em sua carta para Max Born sobre a natureza probabilística do Universo.
A função de onda de Schrödinger descreve o comportamento das partículas de forma totalmente probabilística: há um x porcento de chance de encontrarmos uma partícula em um determinado lugar em uma determinada maneira ou, podemos dizer, “estado”. Então o “estado de uma partícula” nada mais é do que a configuração em que essa partícula se encontra ao realizarmos a observação. Quanto maior a altura da onda, mais chances de encontrarmos a partícula ali.
A natureza ondulatória das partículas fundamentais é a base da mecânica quântica, uma teoria mais que comprovada. As ondas de matéria são as razões para fenômenos práticos como o tunelamento quântico, por exemplo, efeito que hoje permite que seu SSD consiga armazenar informação aprisionando elétrons em células nanoscópicas.
$$i\hbar {\frac {d}{dt}}\vert \psi (t)\rangle ={\hat {H}}\vert \psi (t)\rangle$$
Explicando a superposição quântica
A comprovação da natureza ondulatória e probabilística da matéria abriu margem para uma pergunta: por que observamos o mundo subatômico como partículas pontuais, e não como ondas? Por que conseguimos apenas ver os efeitos dessas ondas, mas não as ondas diretamente?
O colapso dessa função de onda em uma matéria pontual é o que chamamos de decoerência quântica. A matéria (um elétron, por exemplo) se propaga e se comporta como uma onda de probabilidade, coerente, mas ao realizarmos uma observação dessa onda, ela se colapsa em um único ponto e observamos um elétron pontual em uma determinada posição, a decoerência. Essa ideia foi proposta inicialmente por Werner Heisenberg e aperfeiçoada por H. Dieter Zeh, e hoje faz parte de um conjunto de postulados chamado interpretação de Copenhagen.
NOTA: Também há a interpretação de muitos-mundos e algumas outras, mas isso é assunto para outro post.
Isso significa que, antes do colapso, uma função de onda é uma combinação de todos os estados simultâneos daquela partícula. A função de onda carrega uma combinação linear de toda a informação probabilística para o comportamento de uma partícula. Em essência, a partícula existe em todos os estados simultaneamente, até que, enfim, façamos uma observação. A isso dá-se o nome de superposição quântica. Comprovações experimentais para a superposição existem aos montes, sendo a mais famosa o experimento de dupla-fenda, quando um feixe laser atravessa duas fendas, projetando na parede um padrão de interferência não previsto pela mecânica clássica.
O que significa o Gato de Schrödinger?
Ao explicitar essas ideias, na época bem inusitadas, sobre a mecânica quântica e o comportamento das partículas, foi natural que muitos físicos reagissem estarrecidos. Tudo isso era muito novo. Então, foi natural também que Schrödinger buscasse analogias e experimentos mentais em uma escala maior para explicar esses fenômenos em seus trabalhos. E eis que chegamos ao gato de Schrödinger.
Nessa analogia publicada em 1935, um gato está preso em uma caixa, com um frasco de veneno, um minúsculo material radioativo e um contador Geiger. Esse material radioativo pode se decair ou não. Se ele se decair, o contador Geiger dispara e o veneno é liberado, o gato morre; se não se decair, o veneno não é liberado e o gato vive. Nós só temos uma forma de descobrir: abrindo a caixa.
É aí que muitas pessoas, inclusive professores, interpretam a analogia incorretamente, então esse último parágrafo é muito importante:
Até aquele momento o gato se encontra em um estado de superposição quântica, sua função de onda está lá com todas as informações de todos os estados possíveis do gato (seja vivo ou morto), como uma moeda voando pelos ares em um jogo de cara-ou-coroa. Nós não sabemos! Mas quando abrimos a caixa observamos apenas um único estado do gato: a função de onda sofreu colapso e o resultado observado é pontual, exatamente como uma função de onda se colapsa em um próton ou um elétron em um local específico.
Para finalizar…
É importante mencionar que essa analogia do gato de Schrödinger é um paradoxo que o próprio Erwin Schrödinger disse ser um caso ridículo.
“Pode-se até criar casos bastante ridículos. Um gato está preso em uma câmara de aço, junto com o seguinte dispositivo […]”
Erwin Schrödinger, no artigo “Die gegenwärtige Situation in der Quantenmechanik” em que publicou a analogia do gato em uma caixa.
Não é que o gato realmente exista em dois estados simultaneamente, muito menos que um objeto macroscópico como um gato possa existir num estado de superposição (a própria medição de decaimento feita pelo contador Geiger já interferiria no experimento, por exemplo).
O experimento mental do gato de Schrödinger é um reductio ad absurdum para demonstrar como a mecânica quântica é tão estranha que uma má interpretação ou não entendimento pode levar a previsões absurdas como um gato com duas vidas.