Em tempos de buscas por fontes renováveis de energia, a fusão nuclear é a mais promissora. As usinas solares ocupam grandes áreas e necessitam de clima ensolarado; as usinas eólicas também dependem de condições climáticas e geográficas. Uma usina de fusão nuclear tem combustível abundante e poderia ser instalada em qualquer lugar do planeta, portanto, a pesquisa em energia nuclear é uma das áreas mais promissoras da Física, atualmente.
Sabemos que o reator de energia que alimenta o Sol é a fusão nuclear do hidrogênio em hélio — não diretamente, existem algumas etapas intermediárias envolvendo pósitrons e neutrinos. Mas como a fusão nuclear realmente funciona? Como dois prótons conseguem se fundir, apesar de suas cargas iguais? Por que esse processo libera energia? Por que hidrogênio? Por que ainda não conseguimos desenvolver um reator de fusão nuclear autossustentável?
Estas e muitas outras informações serão apresentadas a seguir.
A física da fusão nuclear
Desde os tempos da escola aprendemos que cargas elétricas iguais se repelem e cargas diferentes se atraem. Essa força de atração e repulsão é devido a uma das forças fundamentais da natureza: a força eletromagnética.
Os núcleos dos átomos são formados por prótons e nêutrons. Apesar das cargas elétricas iguais, os prótons permanecem unidos no núcleo atômico devido à outra força fundamental, a força nuclear forte — que, apesar de ser muito mais forte que a força eletromagnética, tem um alcance muito menor, limitando-se ao núcleo atômico. Tendo isso em mente, podemos imaginar que exista uma distância específica onde a força de repulsão, chamada “barreira de Coulomb”, seja superada pela força nuclear forte.
Mas aqui está um segredo da fusão nuclear que pouco se fala. Os princípios da mecânica quântica também dizem que as partículas (como elétrons e prótons) se comportam como ondas de probabilidade, e a função de onda determina a probabilidade de se encontrar uma determinada partícula em uma determinada posição. Portanto, apesar de existir uma barreira de potencial, existe uma pequena probabilidade de essa partícula ser encontrada do outro lado da barreira devido ao princípio da incerteza. Esse fenômeno se chama tunelamento quântico.
Unindo esses dois conceitos prévios, da força forte e do tunelamento, podemos deduzir que existe uma probabilidade de que dois prótons vençam a barreira de Coulomb e se encontrem muito próximos, de forma que a força nuclear predomine. Uma vez que a força nuclear forte “prende” esses prótons, um novo núcleo atômico mais pesado se forma, liberando imensas quantidades de energia no processo. Esse processo é denominado fusão nuclear.
Devido aos efeitos quânticos e à incerteza, é errado pensar em um próton como uma partícula pontual em uma única posição. Em vez disso, há uma incerteza na sua localização. À medida que os prótons se aproximam da barreira de Coulomb, eles provavelmente serão repelidos, mas há uma chance pequena (diferente de zero) de que essa incerteza signifique que eles seriam encontrados no outro lado da barreira, como se tivesse aberto um túnel através dela.
Hidrogênio: o combustível da fusão
O hidrogênio ser o combustível perfeito para a fusão nuclear não é apenas devido à sua abundância. É necessária uma força considerável para vencer a força de Coulomb. Núcleos pequenos, como de hidrogênio ou hélio, são suficientemente pequenos para que a força nuclear forte vença a força eletrostática com relativa facilidade. Isto ocorre porque o núcleo é suficientemente pequeno para que todos os núcleons sintam a força atrativa de curto alcance pelo menos tão fortemente quanto sentem a repulsão de Coulomb de alcance infinito.
À medida que os núcleos ficam maiores, há mais prótons envolvidos e, portanto, vencer a barreira de Coulomb se torna uma tarefa mais difícil. A fusão de núcleos grandes requer maiores condições de temperatura e pressão, sendo o motivo pelo qual a fusão do carbono, do oxigênio e do silício são disparadas em temperaturas cada vez maiores no interior das estrelas.
NOTA: Para mais detalhes sobre isso, ver artigo sobre nucleossíntese estelar.
Os projetos modernos de reatores de fusão não fundem dois prótons diretamente em hélio. A fusão de dois núcleos simples de hidrogênio resultaria em um novo núcleo com apenas dois prótons, que é instável — um dos prótons se decairia rapidamente em um nêutron. No final das contas, produzimos apenas deutério, e não hélio. É um grande desperdício de energia, uma vez que o hélio-4 é um átomo especial: a energia de ligação entre os núcleons de hélio-4 é muito alta, tornando-o um dos elementos mais estáveis da natureza. Na verdade, o núcleo de hélio-4 é tão coeso que pode ser tratado como se fosse uma única partícula, chamada partícula alfa. Portanto, a forma mais eficiente de se gerar energia está na fusão do deutério (um próton e um nêutron) com o trítio (um próton e dois nêutrons), ambos isótopos do hidrogênio.
Fundir deutério e trítio gera um núcleo de hélio-4 e um nêutron livre adicional, este com muita energia cinética — com mais energia do que a liberada pelo hélio-4. Essa reação geraria energia suficiente para que a reação se torne sustentável.
Energia limpa: os reatores de fusão nuclear
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que existem dois processos de se obter energia nuclear: por fissão e por fusão.
- A fissão nuclear se consiste na divisão de átomos grandes e instáveis (como o urânio-235), liberando energia na forma de raios gama. São usados elementos radioativos, pois estes são naturalmente instáveis, tornando o processo de fissão mais fácil de ser atingido.
- A fusão nuclear se consiste na união de dois núcleos atômicos leves (como o deutério), para formar um núcleo mais pesado, também liberando energia no processo na forma de energia cinética e radiação gama — assunto desta matéria.
Dado que o combustível primário da fissão nuclear é radioativo, os subprodutos também o são, como plutônio, tecnécio e césio. Já a fusão nuclear não gera subprodutos radioativos, apenas hélio e nêutrons livres, por isso é considerada uma energia limpa.
Modelos de reatores: o Tokamak e o Stellarator
O plasma incrivelmente quente não pode entrar em contato com as paredes do reator. Ele é mantido “flutuando” por meio de campos magnéticos gerados no interior do reator. Manter esse plasma em contenção e estável por longos períodos de tempo ainda é um desafio.
Existem dois projetos modernos em pesquisa para reatores de fusão: o Tokamak e o Stellarator.
O Tokamak faz uso de uma combinação de campos magnéticos toroidais (ou seja, em formato de “rosquinha”). Esses ímãs estão em uma configuração especial que requer que a eletricidade flua através do plasma para torná-lo quente e denso o suficiente para disparar a fusão nuclear. Este método tem se mostrado promissor em alcançar as condições necessárias para a fusão, mas é complicado porque o plasma pode ser difícil de controlar e a máquina só pode funcionar por curtos períodos antes de precisar de uma pausa. O ITER, na França, e o JET, no Reino Unido, são bons exemplos de reatores do tipo Tokamak.
Os Stellarators, por outro lado, são construídos com ímãs capazes de produzir campos magnéticos complexos e retorcidos que são mais estáveis e não necessitam que a eletricidade flua através do plasma. Isso poderia deixá-los funcionando o tempo todo sem parar, o que é uma grande vantagem. No entanto, os Stellarators tem uma engenharia mais complexa, a fabricação desses ímãs e a construção desse modelo é mais difícil e custosa. Além disso, os Stellarators ainda não atingiram o desempenho que os Tokamaks possuem. O Wendelstein 7-X (W7-X), na Alemanha, é um exemplo de Stellarator tentando provar que este método pode funcionar e ser muito mais eficiente.
Como o Stellarator tem um projeto e uma configuração muito mais avançada e, por enquanto, pouco testada, a maioria dos testes atuais são com reatores do tipo Tokamak. Embora os Tokamaks estejam atualmente mais perto de fazer a fusão funcionar, eles têm que lidar com o comportamento difícil de controlar do plasma e não podem funcionar sem parar. Stellarators podem funcionar o tempo todo sem esses problemas, mas construí-los é muito desafiador, e os pesquisadores e engenheiros continuam trabalhando para chegar às mesmas condições de fusão que os Tokamaks.
Problemas atuais
Os maiores problemas para se obter a fusão nuclear estão nas condições para a fusão ser disparada: pressão e temperatura. Atingir temperaturas de milhões de graus e manter esse plasma em suspensão magnética (confinamento), sem contato com as paredes do reator, são desafios da engenharia ainda em pesquisa.
Um reator de fusão nuclear necessita de altíssimas temperaturas devido à relação entre temperatura e energia cinética das partículas. Quanto maior a temperatura, maior a energia cinética, ou seja, mais rapidamente os átomos se movimentam. Essa temperatura mais alta aumenta as chances de que uma colisão entre dois núcleos atômicos resulte na fusão desses núcleos.
A temperatura necessária para um reator de fusão é na ordem de 150 milhões de graus. Isso é mais quente que o núcleo do Sol, com “apenas” 15 milhões de graus, pois o Sol tem outra condição muito favorável: pressão. As elevadas pressões no centro do nosso astro-rei contribuem para a manutenção da fusão nuclear em temperaturas relativamente baixas. Em um reator não temos como simular tais condições, portanto, a energia cinética (ou seja, temperatura) é o fator dominante.
Outro ponto é que, como mencionamos, o plasma deve mantido em suspensão por meio de campos magnéticos, e tudo isso consome energia — muita energia. Para que um reator de fusão seja viável, ele deve produzir mais energia do que a energia necessária para iniciar e sustentar o processo de fusão. Isto requer alcançar um alto fator de ganho de fusão (expressa como o símbolo Q), onde Q > 1 significa que o reator produz mais energia do que consome. Alcançar e manter essas condições tem sido um desafio constante.
O progresso atual e o futuro
Hoje, os maiores desafios estão em manter o confinamento e estabilidade do plasma por longos períodos, e construir reatores que tenham um fator de ganho de fusão muito acima de 1 — viabilizando a geração de energia elétrica para as cidades.
O otimismo com a fusão nuclear é reforçado pelo International Thermonuclear Experimental Reactor (ITER), atualmente em desenvolvimento em França, que representa uma colaboração internacional envolvendo a China, a Índia, o Japão, a Coreia do Sul, a União Europeia, a Rússia e os Estados Unidos. O ITER é visto como um passo significativo para alcançar a produção comercial de energia de fusão, visando demonstrar a viabilidade científica e tecnológica da fusão nuclear.
Além do Tokamak e do Stellarator, outras pesquisas incluem fusão por confinamento inercial (onde feixes de laser ou íons comprimem e aquecem o combustível para alcançar a fusão) e fusão de alvo magnetizado (que combina aspectos de confinamento magnético e inercial). Há também interesse em explorar sistemas híbridos de fusão-fissão, onde as reações de fusão fornecem nêutrons para acionar um reator de fissão, potencialmente oferecendo um caminho mais fácil para energia de fusão.
As perspectivas para o futuro da fusão nuclear são brilhantes, registando-se progressos significativos em várias abordagens. Em 2023 o JET bateu o recorde de energia de fusão para um reator Tokamak; em 2022 o NIF bateu o recorde de fator de ganho; em 2022 o EAST bateu o recorde de tempo de confinamento. A Helion está desenvolvendo um reator de fusão que acelera os núcleos atômicos e os colidem em alta velocidade — design que se mostra promissor. Embora os desafios ainda existam, os esforços coletivos da comunidade científica e os avanços tecnológicos continuam a ultrapassar os limites do que é possível, aproximando-nos da concretização da fusão como uma fonte de energia prática e sustentável.