Evolução estelar: supernovas

O fim da vida de uma estrela é marcado pela maior explosão que a humanidade tem conhecimento. Como e por que uma supernova acontece?
Início

A quantidade de elementos pesados criados no interior de uma estrela é totalmente dependente da sua massa. Cada vez que o núcleo estelar começa a fundir novos elementos, o tempo restante até sua morte é cada vez mais acelerado.

Estrelas que possuem até 3 massas solares param de fundir novos elementos além do hélio. Sua atmosfera se torna instável e começa a desvanecer, o vento solar simplesmente a sopra para longe, formando uma nebulosa planetária. Se a estrela possui mais massa, pode começar a fundir o carbono em um processo conhecido como ciclo CNO, o que necessita que o núcleo tenha uma temperatura de 600 milhões de Kelvin. O processo de queima do neônio exige uma temperatura de 1,2 bilhões de Kelvin, enquanto o processo de queima do oxigênio exige até 1,5 bilhões de Kelvin.

O processo de queima do silício acontece quando o colapso gravitacional eleva a temperatura do núcleo para entre 2,7 e 3,5 bilhões de Kelvin. Nesse estágio, o núcleo da estrela funde silício com átomos de hélio por meio da reação alfa até que o núcleo passe a ser feito de níquel, que se decairá em ferro. Nesse estágio, o interior da estrela começa a se parecer com uma cebola, com diversas camadas distintas de elementos, com os mais pesados em seu núcleo. Na etapa em que o núcleo da estrela é composto de ferro e níquel, a fusão nuclear no interior cessa, pois, para que uma reação possa ocorrer, todo o ambiente deve fornecer a quantidade de energia necessária. Sem fusão, não há pressão interna. Sem a pressão interna para prover o equilíbrio hidrostático, a estrela se colapsa sob o próprio peso.

Supernova de Tycho (SN 1572)
Supernova de Tycho (SN 1572).

Apesar do núcleo da estrela ser composto de ferro, as camadas exteriores ainda são feitas de compostos mais leves, como hélio, carbono ou oxigênio, que ainda podem sofrer fusão e liberar energia. Quando a estrela se colapsa sob a própria gravidade, toda essa matéria das camadas exteriores passa por uma fusão “forçada” e repentina, liberando toda a energia descontroladamente de uma só vez. Nesse processo, toda a matéria da estrela (exceto seu núcleo) é explodida em pedacinhos para o vácuo espaço. Com tamanha pressão, o núcleo remanescente se transforma numa estrela de nêutrons ou, se houver massa suficiente, em um buraco negro estelar.

Hidrogênio, carbono, oxigênio e nitrogênio. Todos esses elementos que formam as moléculas das bases nitrogenadas que compõe o DNA (como a timina, citosina e guanina) foram sintetizados do interior de estrelas. Graças à morte das estrelas que vieram antes do Sol, há mais de 5 bilhões de anos, a vida como conhecemos na Terra é possível.

Como disse Carl Sagan: “Somos feitos de poeira de estrelas”.

O limite de Chandrasekhar

Subrahmanyan Chandrasekhar
Dr. Subrahmanyan Chandrasekhar, em 1983, ano que foi laureado com o Nobel.

Ao buscarmos entender como as anãs brancas permanecem estáveis e como elas podem se transformar em estrelas de nêutrons, nos deparamos com um novo termo que irá aparecer mais vezes neste capítulo: o limite de Chandrasekhar.

A equação leva o nome do físico indiano Subrahmanyan Chandrasekhar, laureado com o Nobel de Física de 1983 ao demonstrar como a mecânica quântica e a mecânica estatística se associa com a evolução das estrelas.

O princípio de exclusão de Pauli dita que não mais que dois férmions, por exemplo, dois elétrons (um spin up e um spin down), podem ocupar o mesmo estado quântico. Um átomo de hidrogênio tem apenas um elétron no nível 1s, que pode ser um spin up. Um átomo de hélio tem dois elétrons na camada 1s, se um é spin up o outro deve, obrigatoriamente, ser spin down.

Princípio de exclusão de Pauli
Ilustração do princípio de exclusão de Pauli.

É devido ao princípio de exclusão de Pauli que elétrons resistem bravamente à compressão. Mesmo em um corpo extremamente denso, como uma anã branca, ele ainda se sustenta, pois existe uma força que impede que os elétrons invadam outros subníveis eletrônicos. Esse sistema de altíssima densidade adquire propriedades físicas peculiares, sendo conhecido como matéria degenerada, e essa força que resiste à compressão se chama pressão de degenerescência eletrônica. No entanto, como tudo na natureza, sempre existe um limite onde essa força se rompe.

No caso de uma anã branca, esse limite é de 1,44 massas solares. Se uma anã branca excede 1,44 massas solares, a pressão de degenerescência dos elétrons não é mais suficiente para manter os elétrons em seus respectivos níveis, então os elétrons são empurrados para o interior do átomo, combinando prótons com elétrons e formando nêutrons. Esse limite de 1,44 massas solares em que uma anã branca é estável é o limite de Chandrasekhar.

Tipos de supernova

Supernovas não são todas iguais. Não são simplesmente “estrelas que explodem ao fim da vida”. Elas podem se dividir em dois tipos bem distintos e com origens bem distintas.

As supernovas do tipo I são normalmente originadas por uma anã branca que acumula massa de uma estrela vizinha até que uma fusão nuclear descontrolada seja disparada. As supernovas do tipo II são as que mais conhecemos: quando uma estrela massiva esgota seu combustível e se colapsa sob sua própria gravidade, explodindo violentamente todas as suas camadas externas.

Outro detalhe na diferença entre uma supernova do tipo I e tipo II é que as supernovas do tipo I não possuem linhas de emissão de hidrogênio, enquanto as supernovas do tipo II possuem. Veremos os motivos para isso em breve.

Supernovas tipo Ia, Ib e Ic

Pesquisas posteriores demonstraram que, na verdade, as supernovas do tipo I ainda podem ser de três tipos bem distintos, que foram nomeadas Ia, Ib e Ic.

As supernovas do tipo Ia são resultados da explosão de uma anã branca ao exceder seu limite de Chandrasekhar; as supernovas do tipo Ib e Ic são resultados de um colapso gravitacional do núcleo de uma estrela do tipo Wolf-Rayet.

Supernova tipo Ia

Supernova G299.2-2.9, uma supernova tipo Ia que ocorreu há 4500 anos.

Uma supernova do tipo Ia ocorre em um sistema binário quando uma das estrelas já esgotou seu hidrogênio. Uma supernova do tipo Ia ocorre em um sistema binário quando uma das estrelas era de massa intermediária, já esgotou seu hidrogênio e terminou sua vida como uma anã branca. A estrela companheira pode ser uma estrela da sequência principal ou uma gigante vermelha.

Fisicamente, as anãs brancas de carbono-oxigênio possuem um limite de 1,44 massas solares antes de sua estrutura se colapsar. Esse número é chamado de limite de Chandrasekhar. Em uma supernova Ia, a anã branca começa a absorver matéria de sua estrela companheira até que sua massa ultrapasse a massa crítica do limite de Chandrasekhar. Ao atingir esse limite, a anã branca se colapsa. O resultado é a mais brilhante de todas as supernovas, com magnitude absoluta de $M_B \approx – 19.5$.

As duas origens mais comuns de uma supernova tipo Ia: a colisão de duas anãs brancas, ou acreção de matéria de uma estrela companheira.

As supernovas do tipo Ia também podem ser resultado da colisão de duas anãs brancas. Quando essas anãs brancas se colidem, a massa da estrela resultante é superior à massa crítica do limite de Chandrasekhar, portanto, ela irá se colapsar, gerando uma explosão de supernova.

Em ambos os casos, as supernovas Ia são provenientes de anãs brancas, estrelas já mortas e com combustível já esgotado, por isso faltam as emissões de hidrogênio que normalmente estão presentes em supernovas do tipo II.

Supernova tipo Ib e Ic

As supernovas tipo Ib e Ic são originadas pelo colapso de núcleos de estrelas de grande massa, tal como as supernovas tipo II, no entanto, sua principal característica é a ausência das linhas de hidrogênio.

Como já comentamos antes, o interior de uma estrela de grande massa no fim de sua vida é dividido em camadas: o hidrogênio nas camadas exteriores, seguido de camadas de hélio, carbono, neônio, oxigênio, silício e, finalmente, ferro. Nas supernovas do tipo Ib suas estrelas genitoras ejetaram todas as suas camadas de hidrogênio, enquanto nas supernovas tipo Ic elas perderam também suas camadas de hélio. Esse tipo de estrela é classificada como estrela Wolf-Rayet e é esse o motivo que faltam linhas de emissão de hidrogênio nas supernovas Ib e Ic.

Ilustração da diferença entre supernova tipo Ib e Ic, originada de estrelas tipo Wolf-Rayet.

Essa perda ocorreu quando essas estrelas ainda estavam em seus estágios evolucionários e tiveram suas camadas mais externas expelidas para o espaço devido aos fortes ventos solares, ou atraída por uma estrela acretora companheira no caso de um sistema binário.

Supernovas tipo II

Nebulosa do Caranguejo (M1), um remanescente de supernova.
A Nebulosa do Caranguejo (M1), que ilustra essa matéria, é um remanescente de supernova tipo II, formado pelo colapso do núcleo de uma estrela gigante.

Esse tipo de supernova tem como genitora uma estrela acima de 8 massas solares, portanto, uma estrela muito massiva. No final da vida dessas estrelas o interior dela se assemelha a uma cebola, com diversas camadas de composições diferentes, com os elementos mais pesados localizados mais em seu interior.

Conforme visto no capítulo sobre nucleossíntese estelar, uma estrela de grande massa eventualmente sintetizará o elemento ferro em seu interior. O ferro não pode se fundir em outros elementos, pois a fusão do ferro é uma reação endotérmica, ou seja, consome mais energia do que libera. O núcleo de ferro se torna mais e mais denso, se sustentando apenas devido à pressão de degenerescência eletrônica, ou seja, a força que mantém os elétrons em seus respectivos níveis e evita que mais de dois elétrons ocupem o mesmo estado quântico.

Ilustração do colapso de uma estrela de alta massa em uma supernova.
O colapso repentino do núcleo de ferro em nêutrons (em cinza) faz com que as camadas superiores desabem, criando uma poderosa onda de choque que se propaga para fora.

No entanto, quando a massa desse núcleo excede o limite de Chandrasekhar de 1,44 massas solares, nem mesmo a pressão de degenerescência é suficiente e os próprios átomos se colapsam. Isso leva à formação de nêutrons por meio da união dos elétrons dos orbitais com os prótons do núcleo atômico, resultando também em uma emissão massiva de neutrinos e raios gama.

Com o colapso dos átomos, o núcleo da estrela se encolhe repentinamente e todas as camadas externas da estrela desabam para dentro do núcleo em uma velocidade de até 70.000 km/s. A formação compacta de nêutrons interrompe o colapso, fazendo todos os elementos das camadas superiores da estrela serem comprimidos, fundindo descontroladamente todos esses elementos mais leves e ricocheteando tudo de volta para fora, expulsando todas as camadas externas da estrela para o vácuo do espaço em uma das maiores explosões que a humanidade tem conhecimento.

Quando uma estrela explode, ela brilha com uma intensidade maior do que a luz de uma galáxia inteira combinada. É nesse processo cataclísmico que os elementos mais pesados que o ferro, como o urânio e ouro, são criados e liberados para o espaço. O núcleo maciço de nêutrons da estrela sobrevive com uma temperatura inicial de 100 bilhões de Kelvin, com mais de 1,4 vezes a massa do nosso Sol comprimida em algumas poucas dezenas de quilômetros de raio, do tamanho de uma região metropolitana como São Paulo.

Se esse núcleo tiver até aproximadamente 3 massas solares, chamado de limite de Tolman-Oppenheimer-Volkoff1, ele se estabiliza em uma estrela de nêutrons. Se a massa do núcleo for maior que esse limite, a pressão de degenerescência dos nêutrons é insuficiente para conter o colapso, e a matéria da estrela se comprime cada vez mais, concentrando mais e mais massa em um único ponto. O resultado é um buraco negro de massa estelar.

1 Podemos dizer que o limite de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (ou limite TOV) equivale para estrelas de nêutrons o que o limite de Chandrasekhar significa para as anãs brancas. Ambos os limites representam os valores máximos de massa que uma estrela pode ter antes de se colapsar.

Falaremos mais sobre remanescentes estelares no próximo capítulo. Aguarde!


Em seguida, a última parte da nossa série de artigos sobre Evolução Estelar: das nebulosas às supernovas. Siga-nos no Facebook ou no Instagram para ficar sabendo assim que um novo artigo é publicado!

Quer citar este post?

HOSTI, B. P. Evolução estelar: supernovas. Espaço-Tempo, 2021. Disponível em: https://www.espacotempo.com.br/evolucao-estelar-supernovas. Acesso em: 30 out. 2024.

Brunno Pleffken Hosti

Professor. Graduado em Física pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Extensão em Astrofísica pelo IAG/USP e pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Pesquisador nas áreas de astrofísica observacional e espectroscopia.

Publicação anterior

Evolução estelar: gigantes e supergigantes vermelhas

Próxima publicação

Evolução estelar: remanescentes estelares