Brunno Pleffken Hosti
As viagens no tempo para o futuro são possíveis no contexto da teoria da relatividade, mais especificamente meio da dilatação do tempo causada pela gravidade ou por grandes velocidades. Se eu embarcar em uma nave espacial por um tour pela galáxia em altíssimas velocidades, para mim pode ter passado 1 ano, mas na Terra foram-se 50 anos, graças aos fenômenos descritos pela teoria da relatividade restrita.
No entanto, em viagens para o passado, as coisas podem se tornar um pouco mais complicadas e um dos pontos mais complexos (e fantásticos) são os paradoxos temporais.
O paradoxo de Bootstrap é uma concepção teórica no campo da física temporal — também frequentemente explorado em obras de ficção científica, que veremos mais adiante. Este paradoxo, também conhecido como paradoxo de causalidade, descreve uma situação onde um objeto ou informação é passado de volta no tempo e se torna a causa de si mesmo, criando um ciclo causal fechado sem uma origem clara.
O que é o paradoxo de Bootstrap?
Um exemplo clássico do paradoxo de Bootstrap pode ser ilustrado com um hipotético viajante do tempo chamado João. Imagine que João viaja para o passado e entrega ao jovem Shakespeare uma cópia das obras completas de Shakespeare. O dramaturgo, impressionado, transcreve as peças e as publica, fazendo com que elas se tornem famosas. Séculos depois, João, que vive em um futuro onde as obras de Shakespeare já existem, encontra uma cópia dessas obras e decide levá-la de volta no tempo para entregá-la ao próprio Shakespeare. Perceba que as obras de Shakespeare só existem porque João as levou para o passado e deixou o jovem Shakespeare copiá-las. Neste ciclo, a origem das obras de Shakespeare se perde, pois elas nunca foram realmente “criadas” — apenas existem em um loop temporal autossustentado. Quem escreveu as primeiras palavras das obras originais?
As viagens no tempo na relatividade geral
O termo “bootstrap” origina-se da expressão inglesa “to pull oneself up by one’s bootstraps” (puxar-se pelos próprios cadarços, em tradução livre), indicando a ideia de algo que se autossustenta. Na física, o paradoxo surge da teoria da relatividade de Albert Einstein, que permite a possibilidade de viagens no tempo em certas condições extremas, como através de buracos de minhoca ou curvas fechadas no espaço-tempo, que são soluções das equações da relatividade geral.
O paradoxo de Bootstrap desafia nossa compreensão convencional da causalidade, que normalmente se baseia em uma relação linear de causa e efeito. Na física moderna, particularmente na teoria da relatividade geral, o tempo é visto como uma dimensão semelhante ao espaço. Isso permite a possibilidade teórica de curvas fechadas no espaço-tempo, que poderiam permitir viagens no tempo sob certas condições. Essas curvas, conhecidas como curvas fechadas de tipo tempo (CTC), são soluções das equações de campo de Einstein.
Um conceito crucial na análise de tais paradoxos é o princípio da autoconsistência de Novikov, que sugere que qualquer evento que possa criar um paradoxo temporal será necessariamente evitado por leis naturais. Em outras palavras, mesmo que a viagem no tempo seja possível, as leis da física agiriam de maneira a impedir a ocorrência de qualquer evento paradoxal, garantindo a consistência causal.
É como voltar ao passado para tentar matar Adolf Hitler e impedir o início da Segunda Guerra Mundial, mas você fracassa e as suas ações são as que levam Hitler à ascensão ao poder. No final das contas, você foi o principal responsável pelo início da Segunda Guerra Mundial. As ações do viajante no tempo podem ser as causas de eventos no seu próprio passado. Tudo já aconteceu.
No entanto, a existência de CTCs e a viabilidade da viagem no tempo permanecem altamente especulativas. Não há evidência empírica direta para a existência de tais fenômenos, e a física quântica, que lida com fenômenos em escalas subatômicas, ainda não foi unificada com a relatividade geral para oferecer uma explicação definitiva sobre a natureza do tempo e a causalidade.
O paradoxo de Bootstrap na ficção científica
O paradoxo de Bootstrap é um tema recorrente em muitas obras de ficção científica. Talvez o exemplo mais famoso seja a série alemã de ficção científica, Dark. Nessa série, o paradoxo é central à trama, onde eventos futuros influenciam diretamente o passado de forma complexa e interligada, criando um ciclo interminável de causalidade.
H.G. Tannhaus é o relojoeiro em Dark e o autor de um livro sobre viagem no tempo. Esse livro é fundamental para vários personagens ao longo da série, por fornecer informações cruciais sobre o funcionamento das viagens temporais e os conceitos relacionados ao ciclo temporal. O paradoxo surge porque o conhecimento que Tannhaus tem para escrever o livro vem, em parte, dos próprios viajantes do tempo que leem seu livro e agem de acordo com as informações contidas nele. Ou seja, Tannhaus escreve o livro baseado em eventos e informações que só existem porque ele mesmo escreveu o livro.
Esse ciclo cria uma situação onde o livro de Tannhaus não tem uma origem “real” no sentido tradicional. Ele existe porque Tannhaus o escreve com base em informações que foram disseminadas por causa do próprio livro. Assim, o conhecimento contido no livro se autossustenta, perpetuando-se através do ciclo temporal sem uma origem clara, o que caracteriza o paradoxo de Bootstrap.
A trama intricada de Dark revela como eventos aparentemente insignificantes podem desencadear consequências catastróficas e como os personagens lutam para romper o ciclo de causalidade que controla suas vidas. Este paradoxo de Bootstrap é exemplificado pela origem e destino dos próprios personagens, cuja existência e ações são um produto do tempo que eles tentam modificar.
