As estrelas de nêutrons são um dos astros mais extremos do universo. Extremamente quentes, girando em velocidades extremamente altas e com uma força gravitacional extremamente intensa. Um planeta em proximidade com uma estrela de nêutrons seria triturado pelas forças de maré. Substituir o nosso Sol por uma estrela de nêutrons faria seu forte campo magnético interferir na magnetosfera da Terra, eliminando a atmosfera com o tempo.
O que são as estrelas de nêutrons? E qual a diferença dos pulsares e magnetares?
Um breve resumo da morte de uma estrela
Uma estrela de alta massa (acima de 8 massas solares) termina sua vida como supergigante vermelha e supernova. Essas estrelas seguem em contínuas etapas de fusão de seu combustível: hidrogênio em hélio, hélio em carbono e oxigênio, em neônio, em magnésio, e assim por diante, até o ferro. Esse processo é a nucleossíntese estelar.
Não importa a massa da estrela, ela não conseguirá fundir o ferro em nenhum outro elemento. Isso faz com que a fusão cesse, reduzindo também a pressão interna dentro da estrela. Sem a pressão interna para equilibrar, a gravidade faz a estrela se colapsar.
A gravidade dessas estrelas de alta massa é tão intensa que o colapso da estrela significa que prótons e elétrons no núcleo são combinados, formando nêutrons. Esse núcleo de nêutrons se compacta em velocidades próximas da luz, fazendo com que as camadas externas da estrela desabem sobre o núcleo compacto. Essa rápida “queda” da matéria da estrela cria um efeito ricochete, formando uma enorme explosão que chamamos de supernova.
Uma vez que toda a matéria é ejetada para longe, o núcleo de nêutrons incandescente pode sobreviver, formando uma estrela de nêutrons.
As estrelas de nêutrons
Uma estrela de nêutrons não é uma estrela, no sentido literal da palavra. Ela não está em processo de fusão nuclear, portanto, sua energia não vem das reações nucleares em seu interior, mas da emissão térmica residual das enormes temperaturas do que, antes, era o núcleo de uma estrela — ou remanescente estelar.
Esse núcleo de nêutrons remanescente tem entre 1,5 e 3 vezes a massa do Sol, mas compactada numa bola com tamanho aproximado de apenas 20 a 30 km de diâmetro. Esse fato torna as estrelas de nêutrons o material com maior densidade já conhecida no universo — apenas 1 cm3 de uma estrela de nêutrons pesaria um bilhão de toneladas.
Essas estrelas também giram em velocidades extremamente altas, não dificilmente atingindo centenas de rotações por segundo. Essa combinação de fatores faz com que as estrelas de nêutrons tenham características extremamente inusitadas que parecem desafiar as leis da física.
Rotação
As estrelas de nêutrons giram porque a supergigante vermelha que as originou também girava. Mas essas estrelas têm uma característica impressionante: elas podem girar centenas de vezes por segundo, e isso se deve à conservação do momento angular.
Uma redução no raio de um corpo em rotação resulta em uma maior velocidade de rotação — mesmo efeito em como uma bailarina gira mais rápido quando encolhe os braços.
No caso das estrelas de nêutrons estamos falando de um caso extremo: antes uma estrela com milhões de quilômetros de diâmetro sendo reduzida a apenas 30 km. Se antes, a estrela completava uma rotação em alguns anos, nesse momento ela passa a completar dezenas ou até centenas de rotações por segundo.
A maior velocidade de rotação conhecida para uma estrela de nêutrons é PSR J1748-2446ad, que gira 716 vezes por segundo. Considerando o raio da estrela, isso significa uma velocidade linear (tangencial) de 24% da velocidade da luz.
Campos magnéticos
As estrelas e planetas geram seus campos magnéticos porque giram. A movimentação das partículas eletricamente carregadas em seu interior geram intensos campos magnéticos, como se fossem um enorme dínamo. As estrelas de nêutrons giram extremamente rápido, isso produz campos magnéticos ainda mais intensos.
De fato, as estrelas de nêutrons são os objetos com os campos magnéticos mais intensos conhecidos — em média, cerca de 1 trilhão de vezes mais intenso que o campo magnético da Terra. Se substituirmos o Sol por uma estrela de nêutrons, mesmo nessa distância uma estrela dessas já teria o poder de interferir na magnetosfera da Terra, praticamente eliminando nossa proteção contra raios cósmicos.
Um fator que será importante mais adiante: as estrelas de nêutrons emitem radiação, e essa radiação interage com o campo magnético da estrela. Como os campos magnéticos são abertos em seus polos, essa radiação é liberada pelos polos na forma de feixes.
Composição e estrutura interna
Uma estrela de nêutrons é formada a partir do colapso gravitacional de uma estrela massiva, cuja gravidade conseguiu vencer a força eletrostática e a pressão de degenerescência para unir prótons e elétrons e formar nêutrons em um estado altamente condensado. Em essência, uma estrela de nêutrons pode ser considerada um núcleo atômico macroscópico onde as leis da física ainda são desconhecidas.
A superfície de uma estrela de nêutrons ainda contém núcleos atômicos ionizados esmagados em uma estrutura que se assemelha a um cristal, com elétrons livres fluindo entre esses espaços. Devido às enormes forças gravitacionais, a superfície de uma estrela de nêutrons é extremamente lisa, com elevações de poucos milímetros, ou menos.
O que há dentro de uma estrela de nêutrons? Ainda não sabemos, mas as leis da física atuais nos permitem extrapolar o que aconteceria com a matéria em pressões extremas.
A gravidade ainda mais intensa no interior de uma estrela de nêutrons teria o poder de estilhaçar esses nêutrons, tornando os quarks livres. Como sabemos na física de partículas, em condições normais os quarks não podem existir sozinhos, eles devem se combinar em pares quark-antiquark ou em trios. Mas as condições extremas no interior de uma estrela de nêutrons pode favorecer a existência de uma “sopa” de quarks e glúons livres.
NOTA: Detalhes sobre quarks e glúons estão no link “física de partículas” no parágrafo acima.
Pulsares
Os pulsares são estrelas de nêutrons. Mas com uma pequena diferença: a orientação da estrela pode permitir que seu campo magnético se alinhe com a Terra, direcionando sua radiação para a nossa direção através de seus polos. Como essas estrelas estão girando, detectamos essa radiação como pulsos, semelhante em como um farol marítimo parece piscar a noite, quando visto em longas distâncias.
Os pulsares têm um ciclo de pulsação extremamente preciso, podendo superar a dos relógios atômicos. Eles foram descobertos por Jocelyn Bell em 1967 durante pesquisas com radiotelescópios. Inicialmente ignorados por acreditar serem algum tipo de interferência, a precisão dos períodos (um pulso a cada 1,337301 segundo) levou alguns astrônomos a acreditarem serem “sinais extraterrestres”. A descoberta de um segundo pulsar, no interior da nebulosa do Caranguejo, um remanescente de supernova, confirmou a hipótese das estrelas de nêutrons rotativas — e, claro, descartou a possibilidade de inteligência alienígena.
A descoberta dos pulsares foi significativa na astronomia e rendeu o Prêmio Nobel de Física de 1974, mas quem recebeu o prêmio não foi Jocelyn Bell, e sim seu orientador de doutorado, Antony Hewish — sendo esse um dos casos mais controversos da premiação.
Magnetares
Os magnetares também são estrelas de nêutrons. Mas, como seu nome sugere, tem como peculiaridade seu campo magnético ainda mais intenso. Estima-se que 1 em cada 10 supernovas resultem em um magnetar, ao invés de uma estrela de nêutrons “tradicional”.
Os campos magnéticos dos magnetares são tão intensos que a uma distância da Terra e da Lua, um magnetar conseguiria apagar informações armazenadas magneticamente, como HDs e cartões de crédito. A uma distância de 1000 km, um magnetar conseguiria retorcer a eletrosfera dos átomos e romper as ligações moleculares.
A descoberta dos magnetares
O primeiro sinal que levou à busca pelos magnetares se deu em 5 de março de 1979. Nesse ano, duas sondas soviéticas (Venera 11 e Venera 12) na órbita do Sol detectaram por 0,2 segundos um enorme pico de radiação gama que excedia a medida dos sensores. Onze segundos depois, a sonda Helios 2, da NASA, também foi saturada de radiação; e logo depois atingindo a sonda Pioneer, na órbita de Vênus. Pouco tempo depois, os satélites Vela, Prognoz 7 e o Observatório Einstein, na órbita da Terra, também detectaram o surto de radiação gama. Por fim, antes de sair do sistema solar, a onda de radiação atingiu a sonda ISEE (International Sun-Earth Explorer).
Como a radiação gama se move na velocidade da luz, com os cronômetros das sondas espaciais a origem da onda de raios gama foi triangulada e identificada na Grande Nuvem de Magalhães, no centro de um remanescente de supernova. E, ao contrário dos surtos de raios gama (GRBs) convencionais, esses pareciam se repetir em eventos periódicos, e foram chamados de soft gamma repeaters (SGR).
Embora os astrônomos não tenham desenvolvido o conceito de magnetar para explicar os SGRs, as suas implicações se tornaram evidentes. O campo magnético deve atuar como um forte freio na rotação de um magnetar. Antes com rotações na casa dos milissegundos, dentro de 5.000 anos um campo de 1015 gauss diminuiria a taxa de rotação para uma vez a cada oito segundos — explicando claramente as oscilações observadas durante a explosão de março de 1979.
A origem dos soft gamma repeaters (SGRs)
À medida que o campo evolui, ele muda de forma, conduzindo correntes elétricas ao longo das linhas de campo fora da estrela. Essas correntes, por sua vez, geram raios X. Entretanto, à medida que o campo magnético se move através da crosta sólida de um magnetar, ele dobra e estica a crosta. Este processo aquece o interior da estrela e ocasionalmente rompe a crosta num poderoso “terremoto estelar”. A liberação de energia magnética cria uma nuvem densa de elétrons e pósitrons, bem como uma explosão repentina de raios gama, responsável pelas explosões que dão nome aos SGRs.